no ponto de ônibus.

- viu, porque a nossa fé é que nem uma escada, e cada dia a gente sobe um degrau. às vezes a gente peca, e cai, depois de ter subido, sei lá, uns mil degraus. daí o que você vai fazer? vai ficar sentado lá embaixo depois de ter subido tudo isso? não! começa a subir de novo!

(...)
- o único que subiu essa escada direto assim, ó, foi nosso irmão senhor jesus cristo.

(desconhecido, ontem à noite, evangelizando o colega em voz bem alta)

esther.

hoje eu acordei muito triste. com um sentimento de caminho errado muito grande, pensando se é isso mesmo que eu queria da minha vida... passei a manhã inteira ruminando bobagens.

eu não ia almoçar, porque meu horário de saída do trabalho de sexta-feira é as 13h, e teria aula na faculdade às 14h. mas a professora me liberou ao meio dia, e eu corri para ver se encontrava alguém para comer comigo.

liguei para a pri, e ela ia bandejar. peguei o ônibus para a unicamp, mas não cheguei a tempo. a pri tinha aula de francês. carreguei meu cartão para poder almoçar semana que vem, e fui para a FEA.

no meio do caminho, resolvi encher minha garrafa com água. logo depois, pensei que, já que não gosto de comer sozinha na rua, poderia matar a aula, voltar para casa, comer, passar no correio, e voltar para a faculdade.

peguei de novo o ônibus, e logo antes do meu ponto, uma mocinha teve convulsão na parte da frente, antes de atravessar a catraca. o pessoal em volta ficou com medo, e eu fui lá. conversei com o cobrador, sugeri que ele protegesse a cabeça da moça, e a segurasse durante a convulsão, que era só o que precisava ser feito.

ele a amparou com todo cuidado, e depois a colocou de volta no banco. a moça acordou, nos falamos, e descobri que sua prima a esperava no ponto final, liguei para a prima e avisei do ocorrido. fiquei conversando com a moça, - seu nome era esther, e dei-lhe a minha garrafa de água.

permaneci com ela no ônibus, e depois no terminal, até que a prima chegasse. conversamos mais um pouco, eu lhe contei as histórias da minha mãe, ela me contou a dela. tem epilepsia e faz tratamento no hospital da unicamp. a prima chegou, e nós nos despedimos.

no meio de desencontros, possibilidades e escolhas, fomos nos encontrar, eu e ela no mesmo ônibus. olhando assim de fora, parece que era eu que a estava ajudando. mas aqui dentro eu sei que essa moça me salvou de mim mesma, e me mostrou que nem sempre ali na hora, as nossas decisões, os caminhos que percorremos fazem algum sentido.

mas os detalhes de cada circunstância envolvendo um evento se encontram e se encaixam misteriosamente, permitindo até mesmo a uma alma que acordou sem brilho conseguir enxergar a beleza da vida.

velhinha no ônibus

eu sou uma moça conhecedora da lei que garante aos idosos, às gestantes, aos portadores de deficiência e de pessoas com criança o colo a preferência de se sentar dentro do ônibus. mas sei também que na ausência dos acima, eu posso descansar sentada enquanto me divirto no trajeto emprego-outro-emprego (nossa, quanto divertimento!)

mas eis que chega hoje à tarde uma senhora toda espevitada, que sobe na condução já falando em voz (bem) alta que "deixa que as jovens se levantam!".

nisso, enquanto a senhora fazia discurso para uma outra senhora, essa sim com cara de idosa merecedora de um banquinho para descansar, eu vi uma moça grávida subindo no ônibus.

a senhora não teve dúvidas em me abordar: "pode deixar, fulaninha, sente-se aí, que as jovens vão levantar para mim!". "viu, mocinha, este lugar é para idoso e eu quero me sentar. você pode se levantar?"

my ass. eu respondi: "não, eu não vou dar o meu lugar para a senhora, pois estou esperando a moça chegar aqui para dar lugar para ela."

"por que, ela está doente?" perguntou a velha com empáfia.

"não, ela é gestante. tem tanto direito de sentar-se aqui quanto a senhora, mas eu prefiro ceder o lugar para ela."

(continuação que só aconteceu na minha cabeça: "e vamos combinar, velhinha, que a moça está valendo por dois, e a senhora com essa cara não tá valendo nem mais meia-sola... já mostrou o documento para o cobrador?")

o ônibus é uma vida.

no ônibus

tinha esse moço, autointitulado marquinhos, que se dizia ex-assaltante ex-sócio de satanás, que foi libertado pelo senhor jesus, aleluia.

ele entrou no ônibus em que eu estava, já na metade do meu trajeto, se apoiou bem em uma das cadeiras e começou a pregação.

transcrevo aqui as melhores partes:

"aleluia, glória a deus, o sangue de jesus é que nem cândida e sabão em pó, que purifica e limpa a alma da gente."

"eu fico muito feliz, aleluia, tenho vontade de pular até o céu de saber que o satanás é condenado e vai para o inferno. aleluia!"

"eu divulgo, eu declaro, eu garanto a nossa bênção e vitória, e a derrota de satanás. aleluia, glória a deus"

o ônibus é uma vida.

ônibus é uma vida

fui até a biblioteca do Ital hoje, de ônibus, e não pude deixar de me lembrar deste vídeo...

voltando para casa.

imagem: Lori Greig

a gotinha de chuva caiu da nuvem, ficou presa na árvore, e só saiu de lá quando o ônibus passou balançando as folhas. daí, atravessou num só voo a janela que estava aberta, aterrisando com precisão dentro do meu olho direito.

eu já pinguei colírio no olho que não molhou tanto.