sábado, 25 de julho de 2009

passarinho.

francisco já quis um elefante, e um macaco, mas logo desistiu. pediu um gato, um cachorro, um hamster, e a resposta foi a mesma: não, não, mil vezes não.

moramos em apartamento, esse bicho faz muita sujeira, quem vai levá-lo para passear, eu? - dizia a mãe - além do mais, você sabe que meu negócio é planta.

- mas, mãe...
- não. pode peixe, se você tomar conta.
- peixe, não.
- é, peixe não - pela primeira vez se pronuncia o pai. peixe não tem graça.
- passarinho pode?
- sim! não! - ouviu-se ao mesmo tempo. sim pelo pai, não pela mãe.

então, sim. primeiro, francisco ganhou uma arara, que fugiu, a sem-vergonha (descobriu-se que morrera envenenada), e depois o canarinho, que não fugiu nem foi assassinado, mas acabou morrendo de tristeza.

seguindo os passos do canário, o menino parou de cantar, e foi morrendo. afinal, era ele só em casa e aquela ideia fixa na cabeça. não tinha irmãos nem nada, e não pedia. ele queria mesmo os bichinhos.

até que, cansados de tanto sofrimento, pai e mãe resolveram mandar francisco para a chácara da avó. lá ele teria um zoológico se quisesse, e dona amália gostava tanto do moleque que nem se importaria. ficou combinado então que o visitariam aos finais de semana. quanto à escola, não havia porque se preocupar; francisco não daria trabalho algum.

passou o tempo, e apareceram uma gata, a sofia, dois cachorros, capitão e rosana, e um não-sei-mais-o-quê de tanto bicho. o menino enfim estava feliz com aquela vidinha de natureza do lado da avó.

abril, junho, agosto, outubro. havia duas semanas pai e mãe não viam o filho. e na chácara vieram os sonhos, a preocupação da avó. até sofia, que não entendia do mundo nem nada, parecia estar pressentindo alguma coisa.

quarta-feira, o telefone tocou. "a mamãe quer vê-lo, meu filho", disse o pai. ele foi.

- querido, a mamãe está muito doente. você sabe que a gente vai para o céu depois que morre, não sabe? pois é, por isso, não se preocupe comigo, que eu estarei sempre aqui com você, está bem? dê-me um abraço.

- mas, mãe...
- não.

dor, velório, enterro. o menino voltou para casa. rezou e dormiu.

era manhã na quinta-feira. francisco acordou assustado ao ver uma rolinha pousada sobre sua janela. ela então começou a conversar com o menino naquela língua em que as rolinhas se comunicam.

passado o susto, ele entendeu: mamãe tinha virado passarinho. justo ela, que nem gostava tanto de bicho.

(acct, 2001)

blog comments powered by Disqus